domingo, 9 de dezembro de 2007

 

Buda e Cristo - conexões e diferenças

Paulo Stekel



Buda: Análise histórica

Há muitos anos que ouvimos (e procuramos responder) a insistentes perguntas de cristãos e de adeptos da “nova era” que flertam com o Universalismo sobre a relação existente entre Buda e Cristo. É difícil estabelecer relações diretas e definitivas quando falamos de duas religiões bem distintas, como são o Cristianismo e o Budismo. Uma é teísta e a outra não fala em Deus. Mas ambas falam do amor, ao próximo num caso e a todos os seres em outro.

O Budismo é mais antigo que o Cristianismo em mais de 500 anos. A data exata do nascimento de Buda é motivo de controvérsia, mas não é importante nas crenças budistas. Esta prática religiosa centra-se na essência do Dharma (a Lei cósmica, a essência ou realidade absoluta das coisas) e não em crenças pseudo-históricas. A idéia de que o ser humano pode se tornar um Buda, um Iluminado, subsistiria mesmo se fosse provada a não-existência do Buda histórico.

De qualquer forma, a data do nascimento de Buda é móvel; cai no primeiro dia da lua cheia de maio, sob o signo de Touro. É conhecida como “Festival de Vesak”, sendo Vesak o nome para o mês de maio no antigo calendário páli. Já, a data da Iluminação e morte do Buda varia conforme a tradição. No Budismo chinês e japonês é comemorada no dia 08 de dezembro.

O Buda nasceu numa família real em pleno tempo do Bramanismo, uma religião confusa e cheia de rituais, fomentando um sistema injusto de castas, um preconceito étnico oficialmente estabelecido e com efeitos até hoje. A inferioridade da mulher também era algo reprovável na visão bramânica, bem como a total dependência da sociedade a rituais vãos e de significado esquecido. Portanto, a educação religiosa de Buda, ainda chamado Sidarta Gautama, foi dentro destes princípios, dos quais o atual Hinduísmo ainda esposa muitos.

Quando Gautama se tornou um Iluminado, essa idéia de Liberação não era estranha ao Bramanismo. Na verdade, desenvolvera-se ali e no Jainismo, uma religião baseada na não-violência extrema e no carma. Contudo, depois de ter alcançado o estado mental conhecido por Iluminação, Buda contestou o sistema de castas, a hipocrisia dos sacerdotes, o comercialismo religioso escondido nos rituais propiciatórios, a inferioridade da mulher, a superstição e outros absurdos. Buda não atribuiu a si qualquer divindade, tendo alcançado a Iluminação pelo seu próprio esforço e méritos acumulados ao longo de muitas vidas.

Buda pregou durante décadas o caminho que conduz à cessação do sofrimento, ou Caminho do Meio, como alternativamente é chamado o Buddha-Dharma (O Dharma do Buddha ou “budismo”, na visão ocidental). Encontrou forte oposição dos brâmanes e donos do poder em sua época, mas morreu em idade avançada, passando então, segundo diz a tradição, ao Nirvana, o estado do “apagar-se [como uma chama]”, um estado de mente pura, clara, desperta, não-condicionada ao mundo fenomênico relativo, mas o que bem se poderia chamar de “estado absoluto”. Este “absoluto” é entendido como “Deus” no Ocidente. Mas Buda não é um deus e nenhum deus lhe pode franquear ou interditar a Iluminação. Morreu aos 80 anos, tendo pregado por cerca de 45 anos.

Cristo: análise histórica

A origem do Cristianismo não está completamente desvendada, ainda que a arqueologia se esmere em tentá-lo. Sabe-se, contudo, que 25 de dezembro não deve ter sido a data do nascimento de Jesus Cristo.

A New Catholic Encyclopedia reconhece o seguinte: “A data do nascimento de Cristo não é conhecida. Os Evangelhos não indicam nem o dia nem o mês (...). Segundo a hipótese sugerida por H. Usener (...) e aceita pela maioria dos peritos hoje em dia, designou-se ao nascimento de Cristo a data do solstício do inverno (25 de dezembro no calendário juliano, 6 de janeiro no egípcio), porque, nesse dia, à medida que o sol começava seu retorno aos céus setentrionais, os devotos pagãos de Mitra celebravam o dies natalis Solis Invicti (aniversário natalício do sol invencível). Em 25 de dezembro de 274, Aureliano mandou proclamar o deus-sol como o principal padroeiro do império e dedicou um templo a ele no Campo de Marte. O Natal se originou numa época em que o culto do sol era particularmente forte em Roma.” — (1967), Vol. III, p. 656.

A questão da existência ou não do Cristo histórico é mais polêmica do que a do Buda histórico. Para o budista, a não-existência de um Gautama Buddha não abalaria as bases do Dharma, pois todos os seres um dia serão Budas. A não-existência de um não excluiria os demais. Quanto ao Cristo, a questão é mais complexa. Sendo ele considerado o Filho de Deus e uma das pessoas da Trindade, sua não-existência histórica abalaria o importante pilar do “Verbo feito carne”, se entendido apenas de modo histórico. Mas, entendido de modo místico, nem este pilar seria abalado. A visão dos antigos gnósticos se aproximava desta última: um Cristo místico e não necessariamente histórico. Encontramos o primeiro paralelo entre Buda e Cristo: um Buda potencial (em cada ser) e um Cristo místico são perfeitamente possíveis e relacionáveis.

O Cristo nasceu numa família pobre em pleno tempo do Judaísmo dividido entre a seita dos fariseus e saduceus, uma época de acirrado debate entre uma visão ritualística e uma visão contemplativa da Torah, a Lei de Moisés. Politicamente, havia ainda um pendor libertário, manifestado na espera de um Messias libertador, já que os judeus estavam sob domínio romano, que se seguiu ao longo domínio helênico. A dependência da sociedade à lei deuteronômica de Moisés, que incluía o apedrejamento de criminosos e adúlteros, foi algo que Jesus não aprovou. Ainda que o texto canônico diga que ele não pretendia substituir a Lei de Moisés, mesmo assim colocou o mandamento do “não matarás” em alta posição em sua doutrina. É o mesmo princípio da não-violência pregado por Buda e o primeiro dos cinco “mandamentos” ou preceitos budistas. Portanto, a educação religiosa de Cristo foi dentro dos princípios judaicos anteriores à Diáspora (70 d.C.).

Quando Jesus autodeclarou-se O Cristo (o Messias judaico), essa idéia de Libertação por um Messias enviado por Deus não era estranha ao Judaísmo, uma vez que vários Profetas do Antigo Testamento, entre eles Isaías, o anunciavam. Contudo, depois de ter se anunciado como o Messias a seus discípulos, Jesus contestou o sistema religioso e político de sua época, a hipocrisia dos sacerdotes (como fez o Buda), as injustiças sociais, o comercialismo religioso junto ao Templo, a paranóia do Sábado em detrimento do bem ao próximo, a superstição e outros absurdos. Jesus atribuiu a si participação direta na divindade, como o Filho, a Segunda Pessoa da Trindade. Nisso, ele se diferencia completamente de Buda. Morreu aos 33 anos, segundo o texto canônico. Cristo é o deus dos cristãos; Buda é apenas o ideal, o exemplo dos budistas...

Conexões

A parte as diferenças óbvias, não podemos deixar de reconhecer as semelhanças entre Buda e Cristo. Ambos contestaram o sistema opressor de suas respectivas épocas, acolheram sem preconceito todo o tipo de ser humano e transmitiram seus ensinamentos indistintamente a quem estivesse interessado em ouví-los. Ambos viveram como mendicantes até o fim da vida e dependeram inteiramente da compaixão e generosidade das pessoas para sua sobrevivência e de seus discípulos. Ambos enfatizaram a não-violência e o amor incondicional por todos, estabelecendo-os como fundamentos máximos de suas doutrinas. Por fim, ambos deixaram discípulos mas não criaram religião alguma, ficando tal tarefa a cargo de seus seguidores ao longo dos séculos. Ambos carnalizaram o exemplo espiritual. Os homens é que transformaram o exemplo em instituição.

Ainda que a religião institucionalizada (tanto o Budismo quanto o Cristianismo) tenha suas vantagens, passa a ser religião morta quando os princípios essenciais são esquecidos. A religião viva é a prática da essência transmitida pelos grandes seres, uma essência que é atemporal, acultural e não-geográfica. A religião viva se adapta aos tempos sem perder sua essência. O Budismo tem sobrevivido assim. O Cristianismo também passou por adaptações, mas precisa corrigir alguns desvios e entrar na corrente evolutiva do Terceiro Milênio. Ambas as religiões têm suas escolas, linhagens e divisões, cada uma com sua particularidade. O principal ponto em comum de ambas é o amor incondicional, chamado de compaixão por todos os seres no Budismo.

O próprio Dalai Lama, ao ser indagado sobre o que era o Cristo para ele, teria respondido que, considerando o que está descrito no Novo Testamento, as atitudes do Cristo correspondem às de um Buda! Ou seja, o Budismo pode absorver a noção de um Cristo sem dificuldades. Poderia o Cristianismo absorver a idéia de um Buda, um ser humano perfeito? O Cristianismo Gnóstico poderia, com toda a certeza. O Cristo gnóstico é o homem perfeito, nascido do homem de dores, exatamente como o Buda...

Diferenças

Como dizíamos no início, sempre nos perguntam sobre a relação entre Buda e Cristo. Mas a pergunta mais intrigante é aquela que quer saber quem é mais elevado: Buda ou Cristo? Alguém ligado ao movimento “nova era” perguntou-nos se o Buda constitui um “nível evolutivo” inferior ao de um Cristo! Como podemos dizê-lo, se as noções de Buda e de Cristo estão intimamente relacionadas a seus respectivos sistemas religiosos e não têm conexões diretas?

Na verdade, a noção de um Buda como um nível imediatamente inferior ao de “um” Cristo vem da Teosofia (a Sabedoria Divina, descrita por Helena Blavatsky), de uma noção equivocada, assim pensamos. Confrontar sistemas diferentes e colocá-los hierarquicamente, um como superior a outro, é algo muito perigoso e politicamente incorreto nos dias de hoje. Usando da sinceridade devida aqui, a noção de Buda como “pouco” inferior a Cristo veio de cristãos ligados à Teosofia e ao movimento “nova era” (Leadbeater, Alice Bailey, etc.), mas não é aceita pelos budistas, mesmo os universalistas. Muitos teósofos são budistas com pendores universalistas, de modo que podemos dizer que essa é uma noção equivocada de Teosofia, que coloca a sabedoria de todos os seres de luz no mesmo patamar.

Isto posto, fica claro que o ideal é entendermos cada um – Buda e Cristo – como exemplos completos e até complementares (na visão de um universalista), mas não confrontáveis hierarquicamente. Não são “níveis evolutivos”, como querem alguns, mas exemplos completos de perfeição. São, então, equivalentes, feitas as devidas diferenciações doutrinárias.

Por exemplo, o Cristianismo é teísta e o Budismo, antes de negar Deus, prefere não falar muito sobre ele, já que sua noção não concorre no processo de Iluminação. Importantes para a Iluminação são a ética, a sabedoria e a meditação. No Cristianismo o processo desejado é a Salvação da alma e, para isso, a crença em Deus é importante, pois é ele quem salva. Neste caso, importantes para a Salvação são a ética (os mandamentos), a sabedoria (as obras) e a oração (a fé).

A oração contemplativa é um tipo de meditação; a meditação com mantras é um tipo de oração. Isso tanto é verdade que se tem tornado comum monges budistas aprenderem a oração em mosteiros cristãos e monges cristãos aprenderem a meditação em mosteiros budistas. É a prova da complementaridade citada acima. No momento em que os seguidores de Buda e de Cristo se encontram e vivem uma experiência espiritual sem se deterem nos pontos de divergência, mas nos de convergência, que não são poucos, ambos os grupos têm muito a ganhar, reavivando suas respectivas práticas.

A lógica que nos inspira este raciocínio antifundamentalista é o seguinte pensamento: para o praticante sincero de qualquer religião, a proposta de sua fé não pode depender da superioridade ou inferioridade de qualquer outra fé para ter seu lugar na conta dos caminhos espirituais possíveis. A fé do outro é a melhor proposta “para o outro”. Podemos estabelecer um diálogo produtivo com o outro, mas não podemos demovê-lo de sua fé, a não ser que tenhamos certeza de ter em mãos uma fé muito melhor que a dele, o que seria, concordemos todos, uma atitude petulante e sem possibilidade de comprovação. Ou seja, eticamente, é correto dizer: o indivíduo pode “se converter” de livre e espontânea vontade, mas não pode “ser convertido” por pressão ou lavagem cerebral. A conversão deve ser um processo de convicção, não de conveniência. Ah, se os fundamentalistas de plantão entendessem isso! As religiões precisam se conhecer, não competir entre si. A espiritualidade transcende a religião instituída. Buda e Cristo se entenderiam muito mais que seus discípulos, desconfiamos...

Noções equivocadas

É fácil encontrar na literatura mística dos últimos 120 anos as noções mais absurdas envolvendo Buda e Cristo. Algumas são mesmo inviáveis ou uma miscelânea caótica e sem sentido.

Dizem, por exemplo, que o Cristo e o Buda são irmãos, que o Buda previu a vinda de Cristo, que o Buda é a encarnação da Luz, enquanto o Cristo é a encarnação do Amor... Ambos só podem ser irmãos no sentido de que todos o somos; Buda não previu a vinda de Cristo porque não falou do Messianismo judaico, que não era noção conhecida na Índia de 500 a.C. e ainda não completamente formada mesmo na Palestina; ambos encarnam a Luz e o Amor, ou podemos imaginar Iluminação sem amor?

Não se pode negar que “a religião Budista é altamente sincretista, pois Buda não é considerando um Deus, permitindo assim seus seguidores conviverem com outras religiões” (Almanaque Abril, 2004, p.134). Assim, saindo da Índia, o Budismo se adaptou à China, ao Japão e ao Tibete. Agora adapta-se lentamente ao Ocidente. Mas as noções básicas em todas as adaptações são as mesmas: Buda é o exemplo para a nossa própria Iluminação!

O Cristianismo também adaptou-se. A Igreja Ocidental (Romana) não é igual à Oriental (Ortodoxa) e ambas diferem dos Protestantes. Mas as noções básicas são as mesmas: a Salvação só é possível em Jesus Cristo, o Filho de Deus.

É bastante difícil conciliar uma noção de Buda exemplo para a Iluminação (por esforço próprio) com a de Cristo conduzente à Salvação (por vontade de Deus). Por isso nascem noções estranhas tentando uma conciliação: os teosofistas consideram Cristo um nível superior ao Buda; os Baha'ìs consideram Buda um Profeta, como Jesus; alguns budistas consideram Cristo um Buda ou um bodhisattva, por sua ética. Mas são opiniões pessoais, não tradicionais.

As tradições podem “flertar”, mas não podem se fundir. Se fundindo, geram uma terceira coisa e deixam de existir como tradições independentes. Ou seja, se um dia a tradição budista e a cristã se fundissem (seria possível?), Budismo e Cristianismo deixariam de existir e gerariam uma nova tradição. Cada tradição espiritual tem um valor por si mesma e desaparece quando se mescla a outra. Uma tradição é um conhecimento enclausurado em um tempo e um espaço, mas trazendo uma sabedoria essencial revelada ou desenvolvida neste tempo e espaço. É um todo completo inspirador e, conforme ouvimos dizer o Lama Padma Samten certa vez, “uma tradição completa deve ter respostas para todas as perguntas”. Ou seja, deve responder a todas as questões básicas da existência.

Mas há semelhanças entre Budismo e Cristianismo que não se pode negar: ambos, Buda e Cristo, nasceram de “mães imaculadas”; os nomes das mães até se assemelham em som – Maya e Maria; enquanto o Cristianismo católico reverencia Maria com um culto especial, o Budismo Tibetano reverencia Arya Tara, um arhat feminino, como a manifestação feminina da iluminação; a missão de Buda foi profetizada pelo sábio Asita, enquanto a de Cristo o foi por Simeão (Lucas II.25-34); Buda contestou o sistema de castas, franqueando a Iluminação a todos, indistintamente – Jesus contestou a hereditariedade judia, que excluía do culto aqueles que não possuíssem o caráter genético; Buda foi tentado pelo demônio Mara (a ilusão do ego) e Cristo por Satanás (o apego ao mundo); Buda, antes da Iluminação, jejuou intensamente e praticou austeridades violentas – Cristo jejuou por quarenta dias e quarenta noites no deserto; no início, os monges budistas passavam por meditações intensas em cavernas e mortificações semelhantes às do Buda antes da Iluminação – os cristãos, por vezes, se entregam a mortificações e autoflagelações.

Aqui se faz necessária uma nota.

No Budismo não há mais essas penitências, no máximo jejuns ou retiros espirituais com pouca alimentação. Sacrifício só se for pelo próximo. Mas, antes do Séc. I, não era assim, pois os monges isolavam-se da sociedade e faziam grandes sacrifícios em retiros nas cavernas, com disciplinas pesadíssimas de meditação e jejuns. Há quem pense que isso mudou porque, talvez, os missionários Cristãos da época tenham influenciado os grandes Mestres Budistas a mudarem seus conceitos de sacrifício monástico para o sacrifício pelo próximo. Não há indício histórico disso. A raiz dessa mudança está nas idéias do Mahayana e na noção clássica de Caminho do Meio (evitar os extremos).

A reencarnação já foi inerente a Buda e Cristo?

Não se pode deixar de perceber a grande semelhança entre a procura dos Reis Magos pelo menino Jesus e a tradição do Budismo tibetano que costuma procurar crianças consideradas reencarnações de Mestres espirituais, tais como os lamas (Instrutores), os tradutores e os regentes políticos, como o Dalai Lama.

O Budismo encontra uma explicação para isso, pois defende a Reencarnação. Grandes Mestres voltam a encarnar sucessivamente por amor à humanidade, para que os seres cessem seus sofrimentos. “Poderiam ficar nas regiões paradisíacas, celestes, gozando da boa-venturança, mas o amor lhes move ao sacrifício de se manifestarem fisicamente, com todas as dores, humilhações e intolerâncias que isso traz.” (DAS, 2001, p.128-129)

O Cristianismo tem nessa passagem atualmente apenas a exposição do cumprimento das profecias, pois não aceita mais a reencarnação. Mas, até os seis primeiros séculos do Cristianismo a crença na reencarnação era comum:

“A crença na reencarnação constituía um dos dogmas das comunidades cristãs primitivas, mas depois foi considerada herética e banida da teologia cristã no Segundo Concilio de Constantinopla em 553 d.C.” (KERSTEN, 1998, p.28)

Os sábios reis Magos, oriundos da Pérsia, terra de conhecimentos mágicos, astrológicos e místicos, chegaram exatamente no ponto certo do encontro do menino.

Este é o mesmo procedimento utilizado pelos lamas do Tibete, ainda hoje. “No séc. XIX, uma expedição foi criada com a missão de encontrar a reencarnação do atual 14º Dalai Lama, e esta se baseou em pistas dadas em vida pelo Dalai Lama anterior; nas indicações de um monge funcionário do governo com poderes para ver o futuro, denominado de Oráculo; nas meditações e visões do monge regente do Tibete; e nos cálculos dos astrólogos do governo, pois a astrologia é largamente utilizada pelo governo e cidadãos tibetanos em geral”. (KERSTEN,1988, p.98-100)

Assim, podemos encontrar um ponto de convergência importante entre Budismo e Cristianismo, que na origem, aceitava a reencarnação.

Declarações de autoridade

O trecho mais forte do Novo Testamento sobre a superioridade de Jesus é o que diz: "Respondeu-lhe Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim." (João 14.6)

Isso foi interpretado erroneamente ao longo dos séculos como sendo o Cristianismo o único caminho, gerando lutas violentas contra supostos paganismos, heresias, idolatrias, etc.

Para Thich Nhat Hahn, o monge budista vietnamita, o trecho de João tem a seguinte versão: “Quando Jesus disse 'Eu sou o caminho', Ele quis dizer que, para termos um verdadeiro relacionamento com Deus, precisamos praticar Seu caminho. (...) O 'Eu' na declaração Dele é a própria vida, a vida Dele, que é o caminho.” (HANH, 1997, p.69)

Ou seja, o valor dos ensinamentos de Cristo não está em suas palavras, mas em sua vida. Não está numa Igreja, que seja a única ou a melhor entre as demais. A separação entre o "eu" e a vida é uma idéia essencialmente budista. E a afirmação da inexistência do eu foi estabelecida pelo budismo para se opor ao forte conceito de castas hindu, que reforçava a idéia da superioridade de um eu em função de sua hereditariedade, desprezando e oprimindo as classes hereditariamente desfavorecidas, algo semelhante à idéia da descendência judaica, estabelecida no Antigo Testamento.

Mas o Buda, como Cristo, também se apresentou em diversas ocasiões como “Único”, ou como “O Mais Iluminado”. Logo após a iluminação, mudou seu nome de Siddharta Gautama para "O Iluminado", e ao reencontrar seu pai depois de vários anos, autodenominou-se "O Mestre da Verdade". Devemos entender esta declaração de autoridade como a autoridade de todos os Budas, já que, segundo o Budismo, nos iluminaremos um dia, por força de nosso próprio mérito e prática adequada.

Mesmo assim, o Budismo não se tornou sectário, adotando o respeito compassivo e positivamente sincrético onde tenha se propagado, adquirindo também o respeito das outras religiões. Um bom exemplo é a relação pacífica entre budistas e muçulmanos no Tibete anterior à invasão chinesa. O próprio Hinduísmo, que declinou após o advento do Budismo, considera o Buda como o 9º Avatar (encarnação) do seu Deus Vishnu, reverenciando-o, portanto. Da mesma forma, os muçulmanos consideram Jesus Cristo um Profeta e o reverenciam como tal.

Sincretismo X Sectarismo

Enquanto o Cristianismo se utiliza do proselitismo para converter novos fiéis, o que várias vezes foi motivo de conflitos com povos “pagãos”, o Budismo não vai por esta corrente. O Budismo se dissemina desde a origem através do sincretismo com as práticas “pagãs” que encontra em sua expansão. Assim, no Tibete, mesclou-se com a antiga religião Bön, na China com o Taoísmo, no Japão com o Xintoísmo. Talvez, no Ocidente, venha a mesclar-se com conceitos cristãos, sem, como já dissemos, fundir-se com o Cristianismo. Para o Dalai Lama, o Budismo considera um missionário como um erro bastante grave, inadmissível até, “pois se alguém tenta propagar sua religião e outro faz o mesmo, tornam-se ambos concorrentes e vêm os conflitos”. E isso é a causa dos grandes embates religiosos atualmente!

Para o Cristianismo, sincretismo é algo negativo, uma deturpação e conluio com o paganismo; para o Budismo, pode ser um aliado na divulgação da doutrina de Buda (o Buddha-Dharma). Visões opostas do mesmo fenômeno... Sincretismo x Sectarismo. Não se deixa de ser budista ao parar para observar a religião do outro e sincretizar-se com ela, mantendo a essência da doutrina; se deixaria de ser cristão neste mesmo caso? É impossível entrar em contato com outra cultura sem sofrer influência. E esta influência é uma via de mão dupla!

Sincretismo (budista) parece harmonizar-se perfeitamente com a noção de Ecumenismo (cristão). Mas sectarismo só parece rimar com fanatismo ou com o fundamentalismo, que não vê valor espiritual algum na prática “do outro”...

Mas Buda e Cristo, do alto de seus tronos de glória, olham serenamente para estas picuinhas humanas e lamentam que seus ensinamentos sejam praticados em essência por poucos. Afinal, um verdadeiro religioso exalta a humanidade inteira e a eleva, independente da doutrina que espose.

 

Psicologia Transpessoal - em busca da unidade do ser

Parte 1 - A Ciência Mecanicista

Ana Maria Garcez




Introdução
A motivação para o desenvolvimento deste trabalho, resulta primeiramente de uma insatisfação com os modelos propostos pela psicologia tradicional ao negligenciar a dimensão espiritual do ser.

Acredito que a Psicologia não deve limitar-se a um trabalho ao nível da personalidade, o que constitui uma visão reducionista e fragmentada do homem.

Neste sentido, foi realizada uma pesquisa sobre a Psicologia Transpessoal, um movimento que nasceu da abordagem humanista na década de sessenta, que propôs uma ampliação desses conceitos, incluindo a perspectiva espiritual.

Este estudo não pretende ser exaustivo, mesmo porque a gama de aspectos que abrange é muito ampla, mas constitui-se numa proposta introdutória.

Um dos objetivos deste estudo é a proposta de uma visualização da relação do paradigma newtoniano-cartesiano com os diversos campos do conhecimento, e das limitações geradas por essa relação.

Este trabalho visa principalmente, caracterizar esse novo movimento que surge no âmbito da Psicologia, o movimento transpessoal, que como se denomina, vai além do pessoal e reveste-se de um caráter holístico, que tem íntima relação com o novo paradigma.


"A análise obtém seu significado somente pela síntese; sem ela, degenera num processo de desintegração desprovido de sentido."

Lama Govinda

"Aqueles que consideram a forma destituída da importância também deixam escapar o espírito; aqueles que se apegam na forma perdem o verdadeiro espírito que tentam preservar. Forma e movimento são o segredo da vida, a chave para a imortalidade."

Lama Govinda

"O especialista é um homem que sabe cada vez mais sobre cada vez menos, e acaba sabendo tudo sobre nada..."

Bernard Shaw

"Para Freud tudo é "epi", somente o indivíduo tem valor...Para Marx, tudo se resume no social, ou, mais especificamente, no sócio-econômico. Era como se isso fosse tudo o que existisse no mundo...Há um mundo mais amplo, além da psicodinâmica e sociodinâmica da sociedade humana: a "cosmodinâmica". O homem é um homem cósmico, e não somente um homem social ou um homem individual."

J.L. Moreno

O Paradigma Newtoniano - Cartesiano

Nos três últimos séculos, a ciência orientou-se segundo o paradigma newtoniano-cartesiano. Trata-se de um sistema de pensamento baseado especialmente na contribuição do filósofo francês René Descartes e do cientista inglês Isaac Newton. Outros mentores do pensamento moderno foram Galileu, Nicolau Copérnico, Francis Bacon, Thomas Hobbes e John Locke.

Vejamos a obra de Descartes e Newton, e sua influência nas diversas reas do conhecimento.

Refere Crema (1989) que Descartes (1596-1650), filósofo e matemático francês, foi considerado o fundador do racionalismo moderno. O método racionalista-dedutivo proposto por Descartes como o único científico, destaca sobretudo a Matemática. Através da análise, estabeleceu o dualismo na Filosofia, considerando a natureza dividida em domínios distintos e independentes: mente e matéria, alma e corpo, ambas determinadas por uma eterna e infinita substância, Deus. Seus seguidores, no entanto, omitiram a referência a essa terceira substância cuja existência era essencial na filosofia científico-cartesiana. O homem é descrito como uma máquina que contém a alma e o pensamento. Surge então a concepção mecanicista, estabelecendo-se a visão racionalista-mecanicista-reducionista.

Grof (1987, p.13) assim resume a influência cartesiana:

"Contribuiu significativamente para o paradigma dominante com uma formulação extrema do dualismo absoluto entre mente e matéria, que resultou na crença de que o mundo material pode ser descrito com objetividade, sem referência ao observador humano"

Acrescenta o autor, que esse conceito foi muito útil no desenvolvimento rápido das ciências naturais e da tecnologia, mas alerta para uma importante conseqüência - a negligência de uma abordagem holística dos seres humanos, da sociedade e da vida no planeta.

Assinala Crema (1989) que Isaac Newton (1642-1727), matemático, físico, astrônomo e teólogo inglês, fundador da Mecânica Clássica, estabeleceu uma síntese, aliando e superando o método empírico-indutivo de Bacon e o racional-dedutivo de Descartes, no seu sistema que unificou a metodologia da experiência e da matemática, tendo integrado e ampliado as contribuições de Copérnico, Kepler e Galileu.

Observa este autor que Newton, além de sistematizar a Mecânica, criou o cálculo infinitesimal, postulou a teoria de gravitação universal, contribuiu para o desenvolvimento das leis de reflexão e refração luminosas e propôs a teoria sobre a natureza corpuscular da luz. Adotou, acrescenta ele, a noção do espaço tridimensional da Geometria Euclidiana, um espaço absoluto, inalterado e imóvel e um tempo também absoluto, uniforme, sem dependência de qualquer coisa externa. A matéria segundo o modelo newtoniano, continua, consiste de partículas homogêneas, sólidas e indestrutíveis, sujeitas .à. força da gravidade.

Este mesmo autor observa que o conceito de ciência vigente, ainda influenciado pela visão de mundo mecanicista, fundamenta-se nos cinco sentidos humanos, no raciocínio lógico indutivo e dedutivo, na tentativa de descobrir ordem e uniformidade, na busca de relações ordenadas causais entre os eventos, na previsibilidade, regularidade e controle. Postula objetividade, partindo da observação neutra e imparcial, utilizando técnicas matemáticas e experienciais de acordo com o modelo determinista causal.

Grof (1987) refere que o modelo Newtoniano-cartesiano provou seu sucesso em diversas áreas do conhecimento nos séculos XVIII e XIX e que a Física, sob esse modelo, obteve grande sucesso, tendo a adesão à visão mecanicista de mundo possibilitado o progresso científico de outras disciplinas como química, biologia, medicina, psicologia, psiquiatria, antropologia e sociologia.

A teoria newtoniana, conforme Capra (1993), foi capaz de explicar o movimento dos planetas, luas e cometas nos mínimos detalhes, assim como o fluxo das marés e vários outros fenômenos relacionados com a gravidade. Foi marcante sua influência para a química, igualmente, pelo estudo do comportamento físico dos gases, por exemplo, que possibilitou aos químicos desenvolverem uma precisa teoria atômica da química, estendendo-se a mecânica newtoniana, então, muito além da descrição dos corpos macroscópicos. O comportamento dos sólidos, líquidos e gases, e os fenômenos de calor e som, igualmente foram explicados com sucesso em termos do movimento de partículas materiais elementares.

Esse enorme sucesso do modelo mecanicista, constata o autor, confirmou a convicção de que o universo era, de fato, um gigantesco sistema mecânico que funcionava de acordo com as leis newtonianas do movimento, e de que a mecânica de Newton era a teoria definitiva dos fenômenos naturais.

Com o firme estabelecimento da visão mecanicista do mundo do século XVIII, acrescenta este autor, a Física tornou-se naturalmente a base de todas as ciências.
Capra (1993) faz uma síntese de como o antigo paradigma afetou diversas áreas do conhecimento. Afirma que a prática econômica contemporânea foi afetada entre outros fatores:

- pela fragmentação das especializações;
- pelo desvinculamento dos valores superiores da humanidade;
- pela abordagem competitiva na exploração da natureza;
- pelo esgotamento progressivo dos recursos naturais;
- pelo consenso de que a natureza existe para o homem;
- pela visão do homem como um ente consumidor, o que levou a um consumismo desenfreado;
- pela confusão entre riqueza material e felicidade;
- pela tecnologia .à serviço da destruição em massa e à venda de 70% de armamentos aos países do terceiro mundo;
- pela divisão sócio-econômica norte-sul do mundo;
- pela exploração indiscriminada das sociedades pelas multinacionais sobretudo no terceiro mundo, etc.

Segundo Capra, na educação houve uma fragmentação do ensino (o desenvolvimento do intelecto cabe as escolas e o desenvolvimento do caráter à família), sendo que o conhecimento se tornou mercadoria a ser adquirida.

Observa que a medicina sofreu o desaparecimento do clínico geral, sendo levada às superespecializações (ausência de uma visão sintética do homem). Adotou uma visão do paciente como objeto de estudo e do corpo como máquina a ser consertada, desprezando os aspectos psicológicos da doença.

Revela ainda que na política predomina um reducionismo assim como na economia, em torno de conceitos tecnológicos de produtividade e de consumismo, sem consideração pelo meio ambiente. Destaca que a decepção do público com a política aumenta em todos os países, o que gera descrença das populações em seus dirigentes.

Na Filosofia, identifica uma profusão de teorias filosóficas levando a um desconhecimento das idéias básicas entre os filósofos.

Essa descrição se estende a todos os domínios e constitui uma constatação dos fenômenos atuais associados à cultura vigente.

Crema (1989) faz uma avaliação da abordagem que prevaleceu nos últimos séculos:

"As contradições do paradigma cartesiano-newtoniano com seu racionalismo clássico também se acumularam. Suas falhas e anomalias foram progressiva e coerentemente denunciadas por uma vanguarda de pensadores. Sua característica, basicamente reducionista, conduziu a um aprofundamento da referida crise de fragmentação interna (a nível intrapsíquico) e externa (a nível interpessoal, internacional, etc.) que chegou a um grau quase insustentável. O culto do intelecto e o exílio da dimensão do coração e do espírito gerou uma crescente patologia dissociativa. Como seria de se esperar, respostas inteligentes surgiram ao desafio da crise. E, no alvorecer do século XX, começou a se delinear uma nova Física, dando respaldo e facilitando o surgir de um novo e abrangente paradigma, destinado a reorientar a consciência da Idade pós-Moderna". (p.38)


Identifica-se, portanto, que apesar das grandes conquistas científicas e tecnológicas possibilitadas pela visão mecanicista, as conseqüências da extrapolação desta abordagem não foram menos importantes, gerando graves problemas na atualidade.


O Modelo Newtoniano-Cartesiano nas Escolas Psicológicas

A influência cartesiana também se fez presente na Psicologia. A concepção da divisão mente-corpo direcionou o pensamento de muitos pesquisadores.

Conforme Capra (1993), nas primeiras décadas do século XX as três principais correntes do pensamento psicológico basearam-se no paradigma cartesiano e em conceitos newtonianos de realidade.

Lembra o autor que os estruturalistas estudaram a mente através da introspecção e tentaram analisar a consciência em seus elementos básicos e que os behavioristas concentraram-se exclusivamente no estudo do comportamento ignorando ou negando a existência da mente. Assinala este autor que ambas essas escolas surgiram numa época em que o pensamento científico era dominado pelo modelo newtoniano de realidade.

Acrescenta Capra (1993), que o trabalho desenvolvido por Sigmund Freud com ênfase na clínica, a psicanálise, embora fosse uma teoria revolucionária, foi baseada também em conceitos de natureza newtoniana.

Segundo este autor, estudos sobre o cérebro e o sistema nervoso, estabeleceram relações específicas entre funções mentais e estruturas cerebrais, esclarecendo muitas funções do sistema nervoso e proporcionando um conhecimento detalhado da anatomia e da fisiologia dos órgãos sensoriais. Com estes avanços, acrescenta o referido autor, os modelos mecanicistas descritos entre outros por Descartes, foram reformulados em termos modernos, fortalecendo a orientação newtoniana.

Mueller (1978) destaca que a descoberta dos reflexos condicionados representa uma contribuição fundamental à nova psicologia no aspecto mais radicalmente objetivista, devido à relevância que lhe conferiu o behaviorismo de Watson.

Acrescenta este autor, que as pesquisas que eram realizadas com a introdução sistemática da anatomia e da fisiologia no domínio da psicologia desde Wundt, permitiram o aparecimento e o desenvolvimento da psicologia, pelo estudo das correlações de certas funções psíquicas com o corpo, o que reivindicava para a psicologia uma posição experimental e, portanto, científica.

Capra (1993), ressalta, que com a descoberta de correlações entre a atividade mental e a estrutura do cérebro, os pesquisadores puderam localizar as funções motoras e sensoriais primárias, entretanto não chegaram à explicações coerentes com relação aos processos cognitivos superiores como a aprendizagem e a memória.

O mesmo autor comenta que, impregnado pela mentalidade da época, Wundt tomou como protótipos de ciência a física e a matemática, e concebeu a psicologia à imitação delas. Seu mérito, conclui, é essencialmente empírico, constituindo na observação, que seria a técnica de verificar os fatos tais como se apresentam, e na experimentação, definida como uma observação provocada, acompanhada sempre de medida.

Revela este autor que havia ainda uma clara atitude dualista entre os psicólogos experimentais ortodoxos do século XIX, ao tentar estabelecer a distinção mente e matéria.

Capra (1993) destaca que duas poderosas escolas, no entanto, dominaram o pensamento psicológico nas primeiras décadas deste século - o behaviorismo e a psicanálise, que embora diferindo radicalmente em seus métodos e concepções, aderiram ao mesmo modelo newtoniano de realidade.

O referido autor diz que o behaviorismo, fundado por Watson, representou a culminação da abordagem mecanicista em psicologia. Acrescenta que, o behaviorismo foi muito influenciado pela obra de Pavlov sobre reflexos condicionados, tendo identificado a psicologia como estudo do comportamento.

Assinala Capra (1993) que Watson almejava elevar o status da psicologia ao de uma ciência natural objetiva e, para isso, aderiu o mais rigorosamente possível à metodologia e aos princípios da mecânica newtoniana, exemplo de rigor e objetividade científicos.

Observa este autor que para que os experimentos psicológicos pudessem ser submetidos aos critérios usados na física, os psicólogos deveriam concentrar-se apenas em fenômenos que pudessem ser registrados e descritos objetivamente por observadores independentes. Assim, Watson passa a criticar o método introspectivo usado por James, Freud e Wundt e os conceitos de "consciência", mente, pensamento e sentimento, foram excluídos da psicologia.

Na concepção behaviorista, revela o autor, os organismos vivos são vistos como máquinas complexas que reagem a estímulos externos, o que teve por modelo a física newtoniana.

Segundo Capra (1993), a outra escola dominante dentro da psicologia do século XX foi a psicanálise. Refere ter sido a contribuição de Freud, extraordinária, ao descobrir o inconsciente e sua dinâmica, abrindo para a psicologia as dimensões do inconsciente recalcado, região do psiquismo até então desconhecida.

Ressalta este autor que a teoria de Freud consistiu numa psiquiatria voltada para o estudo das forças que levam aos distúrbios psicológicos, tendo enfatizado a importância das experiências da infância no desenvolvimento futuro do indivíduo, e identificado a libido ou impulso sexual, como uma das principais forças psicológicas. Ampliando consideravelmente o conceito de sexualidade humana, descreveu as principais fases do desenvolvimento psicossexual.

Destaca Capra (1993) a importância da descoberta de Freud da interpretação dos sonhos como uma forma de acesso ao inconsciente, ressaltando igualmente suas formulações teóricas da personalidade. Observa que Freud sempre teve a preocupação em fazer da psicanálise um disciplina científica.

Conforme Capra (1993), é possível identificar a estreita relação entre a psicanálise e a física clássica nos seguintes conceitos básicos da mecânica newtoniana:

- Os conceitos de espaço e tempo absolutos, e o de objetos materiais separados movendo-se neste espaço e interagindo mecanicamente.

- O conceito de forças fundamentais, essencialmente diferentes da matéria.

- O conceito de leis fundamentais, descrevendo o movimento e as interações mútuas dos objetos materiais em termos de relações quantitativas.

- O rigoroso conceito de determinismo e a noção de uma descrição objetiva da natureza, baseada na divisão cartesiana entre matéria e mente.

Estes conceitos, observa o autor, correspondem .às quatro perspectivas básicas a partir das quais os psicanalistas têm tradicionalmente abordado e analisado a vida mental. São conhecidas, respectivamente, como os pontos de vista topográfico, dinâmico, econômico e genético.

No sistema freudiano, afirma Capra (1993), todos os mecanismos da mente são impulsionados por forças semelhantes às do modelo da mecânica clássica.

Esclarece este autor que, assim como na física newtoniana, na psicanálise a concepção mecanicista de realidade subentende um rigoroso determinismo. Todo o evento psicológico tem uma causa definida e dá origem a um efeito definido, e o estado psicológico total de um indivíduo é determinado pelas condições de sua infância. A abordagem genética, conclui Capra (1993), situa a causa original dos sintomas e do comportamento de um paciente nas fases prévias de seu desenvolvimento, numa cadeia linear de relações de causa e efeito.

É possível identificar, portanto, nas escolas psicológicas descritas, uma marcante influência cartesiana e newtoniana. A dominância do paradigma mecanicista levou forçosamente a uma aderência a esta orientação quase implícita, revelada na visão dos pesquisadores citados, em última análise perseguidores do caráter científico da psicologia.

Sobre esse aspecto e ressaltando os aspectos negativos impostos pela ciência mecanicista, afirma Grof (1987):

"Um paradigma é mais que simplesmente um modelo teórico útil para a ciência; sua filosofia configura o mundo através de influência indireta sobre o indivíduo e a sociedade. A ciência newtoniana-cartesiana criou uma imagem muito negativa do ser humano, apresentando-o como uma máquina biológica movida por impulsos instintivos de natureza bestial, e não reconhece, realmente, valores mais altos como consciência espiritual, sentimentos de amor, carência estética ou senso de justiça."


Movimentos de Reação à Abordagem Mecanicista

Em meados do século XX, quando duas Escolas predominavam, o behaviorismo e a psicanálise, numerosos clínicos, pesquisadores e pensadores mostravam-se insatisfeitos com a orientação mecanicista destas escolas.

Uma tentativa de reunir novamente mente e corpo, levando o indivíduo a um todo unificado foi o ponto de vista organísmico ou holista. Jan Smuts é reconhecido como precursor filosófico da teoria organísmica por ser o criador da palavra holismo e por sua obra "Holism and Evolution", (1926).

O princípio básico da teoria organísmica, segundo Hall e Lindzey (1984), é que para que se possa compreender a função de qualquer dos componentes de um organismo, é necessário descobrir as leis pelas quais um organismo inteiro funciona.

Como principais características da teoria organísmica em relação à psicologia, destacam que ela revela a unidade, a integração, a consistência e a coerência da pessoa normal, sendo que a organização é um estado natural do organismo. Acrescentam os autores que esta teoria começa concebendo o organismo como um sistema organizado e procura analisá-lo, diferenciando o todo em suas partes constituintes, ressaltando que um elemento nunca é abstraído do todo ao qual pertence, nem estudado como entidade separada, sendo sempre considerado como parte integrante do organismo total. Estes teóricos acreditam ser impossível compreender o todo estudando diretamente as partes, pois o todo funciona de acordo com leis que não se podem encontrar nas partes. Por isso opõe-se ao atomismo, que primeiro reduz o organismo aos seus elementos e depois procura postular um princípio organizador que os integre em um todo organizado. Porém, a teoria organísmica postula que a organização já está implícita no sistema não permitindo que a integridade do organismo se perca pela análise.

Outro princípio da teoria organísmica seria o pressuposto de que o indivíduo não é motivado por uma pluralidade de impulsos, mas por um impulso dominante denominado "auto-realização", significando que o homem luta continuamente para realizar suas potencialidades inerentes, por todos os meios ao seu alcance, sendo que este propósito único dá direção e unidade à vida da pessoa.

Mesmo não considerando o indivíduo como um sistema fechado, a teoria organísmica tende a diminuir a influência primária e diretiva do meio externo sobre o desenvolvimento normal e a ressaltar as potencialidades de crescimento inerentes ao organismo.

A teoria organísmica utiliza-se freqüentemente dos princípios da Gestalt e crê que as funções isoladas do organismo como a percepção e a aprendizagem, constituem a base para a compreensão do organismo total, ampliando essas bases, ao incluir em seu campo tudo o que o organismo é e faz.

Esta teoria postula enfim, que se pode aprender mais com o estudo amplo de uma só pessoa do que em uma investigação extensiva de uma função psicológica isolada e abstraída de muitos indivíduos.

Curt Goldstein, eminente neuropsiquiatra e destacado representante da teoria organísmica, conclui que um sintoma não pode ser compreendido a partir de uma lesão orgânica, mas pelo organismo como um todo, que se comporta como um todo unificado e não como um conjunto de partes. Afirma que o corpo e a mente não são entidades separadas e que o organismo é uma só unidade, onde o que ocorre em uma parte afeta o todo.

Um dos fundadores da teoria humanista, Maslow, foi também um sério estudioso da psicologia da Gestalt. Foi influenciado pelo trabalho de Max Wertheimer e Curt Goldstein.

A escola de psicologia humanista, liderada por Abraham Maslow, rejeitou a idéia de Freud de que a humanidade é liderada por instintos básicos, criticando-o por basear suas conclusões em indivíduos neuróticos e psicóticos. Maslow discordava da idéia de Freud de que fenômenos como o amor, a apreciação da beleza, o senso de justiça, fossem interpretados como sublimação de instintos baixos ou como formação reativa contra os mesmos. (Capra, 1993)

Conforme Fadiman (1979), Maslow argumentava que era mais exato generalizar sobre a natureza humana estudando os melhores exemplos que pudesse encontrar, do que catalogando os problemas e falhas dos indivíduos comuns ou neuróticos. Acreditava que estudando pessoas saudáveis, seria possível explorar os limites da potencialidade humana.

Maslow criticou igualmente o behaviorismo por considerar o ser humano simplesmente como um animal complexo sujeito a responder cegamente a estímulos ambientais.

Maslow defende a abordagem humanista, na qual os psicólogos concentram-se na experiência humana, enfatizando que os seres humanos devem ser estudados como organismos integrais, dirigindo seus estudos a indivíduos saudáveis e aos aspectos positivos do comportamento humano.

Conforme Hall - Lindzey (1984) afirmam, Maslow acredita que há no ser humano um ativo desejo de saúde, um impulso para o crescimento, ou para a atualização de potencialidades humanas. Afirma que o homem possui uma natureza inata que é essencialmente boa e nunca má. Interessando-se pelo crescimento pessoal e pela "auto-realização", realizou uma ampla pesquisa com indivíduos que apresentavam experiências transcendentes ou culminantes, onde conclui que as pessoas que tiveram "experiências de pico" sentem-se mais integradas, mais donas de si mesmas, mais espontâneas, mais perceptivas, etc.

Os autores citados referem que Maslow acreditava que a ciência clássica mecanicista não era apropriada ao estudo da pessoa global, defendendo uma ciência humanística, não como alternativa para a ciência mecanicista, mas como um complemento para ela, que trataria de valores, individualidade, consciência, propósitos, ética e das mais altas conquistas da natureza humana.

Conforme Fadiman & Frager (1979), Maslow anunciou o desenvolvimento do novo campo, a Psicologia Transpessoal, por considerar a Psicologia Humanista como transitória, uma preparação para uma quarta psicologia mais elevada, transpessoal, transumana, centrada mais no cosmos do que nas necessidades e interesses humanos, indo além do humanismo, da identidade, etc.

Outro movimento que nasceu da resistência a uma visão estritamente mecanicista do homem, foi a Psicologia Existencial. Utilizando o método fenomenológico para conduzir as investigações sobre a existência humana, que consiste na descrição e explicação da experiência nesta mesma linguagem, que é concreta, os fenomenologistas não procuram elementos, mas tentam descrever e compreender a experiência como ela aparece imediatamente na consciência.

Hall - Lindzey (1984) esclarecem que a psicologia existencial rejeita o conceito de causalidade, o dualismo mente e corpo, e a separação da pessoa e seu ambiente. Refere que nesta escola o comportamento do ser não é encarado como resultante da estimulação externa ou de condições corporais internas, e que o indivíduo é livre para escolher e inteiramente responsável pela sua própria existência, sendo que o homem pode transcender tanto seu ambiente como seu corpo físico.

Os principais representantes desta escola foram: Ludwig Binswanger, Medard Boss e Rollo May.

É preciso destacar o ponto de vista desenvolvido por Carl Rogers, eminente psicólogo, autor de inúmeras obras e um dos fundadores da Psicologia Humanista.

Conforme Hall-Lindzey (1984), a teoria de Rogers também tem pontos em comum com a psicologia existencial sendo basicamente fenomenológica pois Rogers dá grande importância às experiências da pessoa, a seus sentimentos e valores e ao que se pode chamar de "vida interior".

Segundo Capra (1993), Rogers enfatizou a importância de se considerar o paciente de forma positiva e desenvolveu uma psicoterapia não-diretiva, "centrada no cliente". Revela ainda que a essência da abordagem humanista consiste em considerar o paciente uma pessoa capaz de crescer e se auto-realizar, e em reconhecer os potenciais inerentes a todo ser humano.

Incluída nas teorias organísmicas, a teoria de Rogers orienta-se por uma ênfase no organismo.

Devemos destacar a obra do psicólogo Carl Gustav Jung, que elaborou conceitos que transcenderam os modelos mecanicistas da psicologia clássica. Ele tinha consciência de que a abordagem racional da psicanálise freudiana deveria ser transcendida na exploração dos aspectos mais sutis da psique humana que estão além da experiência cotidiana. Este foi um trabalho que ele desenvolveu durante toda a sua vida.

Todos esses pensadores, entre outros, apesar de apresentarem muitos pontos divergentes em suas respectivas teorias, expressaram seu protesto contra o dualismo cartesiano mente-corpo do século XVIII, contra o apoio ao associacionismo do século XIX, e contra as tentativas de reduzir ou fragmentar o organismo humano.

 

Meditação - a busca do mestre interior

Vera Occhiucci



Quando alguém pergunta sobre aquilo que entendemos por meditação, qual é a imagem que se apresenta para cada um de nós? Será que a ideia que temos é de que meditação é igual a relaxamento? Ou ainda que meditação é igual a concentração? Ou será que meditar é visualizar?

No dicionário meditar é igual a reflexão, contemplação mental, pensar sobre, considerar, ponderar, reflectir…

Também podemos pensar que meditar é treinar sistematicamente a nossa atenção. É o esforço que fazemos para exercitar a atenção e aumentar a nossa capacidade de concentração.

Algo que precisamos saber é que, meditar e relaxar, são coisas diferentes.
Porém uma coisa é certa, é o método mais antigo que conhecemos para tranquilizar a mente e relaxar o corpo.

Qual é o objectivo da meditação? Porquê e para quê meditamos?

O objectivo supremo de todas as técnicas de meditação é atingir, através do auto conhecimento e do acto da vontade, o domínio de si mesmo, ampliando a consciência e alcançando a iluminação. Portanto, a meditação pode constituir-se numa harmonização com o Cósmico que tem por objectivo nos tornar receptivos às inspirações que a Consciência Cósmica queira nos conceder. É a base para o desenvolvimento de uma consciência iluminada. É desenvolver as nossas capacidades de concentração e de percepção.

Através da técnica de relaxamento proporcionamos ao corpo físico repouso profundo enquanto que a mente continua alerta. Nesta condição, no chamado “estado alfa”, fazemos baixar a pressão sanguínea e diminuímos o ritmo cardíaco, e assim o corpo físico pode recuperar-se do “stress” do dia a dia.

Temos medo de praticar a meditação? Que medo é esse?

Acreditamos que algumas pessoas não praticam a meditação por temerem entrar em contacto com o seu interior, ou melhor ainda, com o seu “eu interior”. E porque é que temem esse contacto? Porque ao fazê-lo, entram em contacto com o que existe de reprimido dentro de si, ou seja, em contacto com o seu lado sombra, essa parte mais escura do ser que todos nós possuímos e com a qual temos de aprender a conviver. Precisamos de conhecer essa nossa parte escura, trazê-la para o consciente, digeri-la e integrá-la em nós.

Este é o grande desafio que temos necessariamente de vencer, quando nos propomos conhecermo-nos a nós mesmos. E de que forma podemos vencer esse desafio?

1. Através do auto conhecimento. Conhecer o corpo físico (ter consciência corporal) Perceber o corpo psíquico. Devemos aprender a observar, a escutar e a entender as mensagens que recebemos.

2. Buscando o auto domínio. Conseguimos o domínio da vida pelo poder da vontade, uma vontade firme, disciplinada. Aprendendo a lidar com a dualidade do ser somos senhores do nosso corpo físico e psíquico.

3. Através da Meditação. Quando podemos alcançar o estado de “paz profunda”, ou iluminação.

Quais os benefícios que a prática da meditação nos proporciona? Somos ou não beneficiados?

Os ritmos cerebrais são medidos em ciclos por segundo. Temos quatro categorias de ritmos cerebrais que são, beta, alfa, teta e delta.

ALFA: é o sinal mais forte, tendo o máximo de energia eléctrica emitida pelo cérebro. Uma actividade de 8 a 12 ciclos por segundo.

BETA: é a frequência normal da maior parte das pessoas, que é de 13 a 28 ciclos por segundo. É quando estamos tensos e preocupados. Os neurónios estão bastante dispersos. O cérebro funciona 80% em Beta. É um ritmo consciente.

TETA: tem um ritmo ainda mais lento que o das ondas Alfa. Esse ritmo oscila entre 4 e 7 ciclos por segundo. Muitos orientais funcionam nessa frequência. (levitação, insensibilidade à dor, regressão de idade, criatividade).

DELTA: está relacionado com o nível inconsciente. Oscila entre 0,5 a 3,5 ciclos por segundo.

Cada vez que relaxamos, entramos em Alfa. É melhor entrar com plena consciência e domínio de si mesmo. Uma técnica para entrar no estado Alfa é fazer como os sacerdotes japoneses fazem, na contemplação, ficam com os olhos bem abertos, olhando fixamente para um ponto ou objecto. Hoje já se conhecem equipamentos que controlam as ondas cerebrais, pois esses estados são estados ideais para gerar mais energia proporcionando a regeneração dos tecidos. No estado Alfa, com o cérebro num ritmo de 10,5 ciclos por segundo, estamos em perfeita sintonia com o universo, pois isto também tem a ver com as vibrações do planeta Terra.

Mas, o mais importante é que com a prática da meditação talvez consigamos atingir a tão esperada e desejada “paz interior”. Aos poucos, desligamo-nos do “stress” adquirindo confiança em nós mesmos, calma e energia suficientes para enfrentarmos melhor os desafios diários.

Especialistas afirmam que o acto de meditar treina a capacidade de prestar atenção através dos exercícios de concentração, e que as pessoas que praticam a meditação estão entre as mais activas que já conheceram. Devido à capacidade que desenvolveram de prestar atenção ao que acontece ao seu redor, não deixando que a mente se disperse ou divague, são pessoas que têm uma habilidade especial para captar as manifestações mais subtis que podemos encontrar no nosso ambiente.

A pessoa que medita pode entrar num estado de relaxamento bastante profundo e produzir alterações neuroendócrinas tais como: aumento das defesas imunológicas contra tumores e vírus, doenças infecciosas, gripes e resfriados. Todos os tipos de técnicas de relaxamento estão sendo usados por pacientes dos mais diversos, principalmente nos casos em que o “stress” aparece como a causa principal dos problemas. Porém, a meditação difere de outras técnicas de relaxamento porque acrescenta componentes reflexivos. No entanto, algumas pessoas podem sentir reacções adversas por efeito de relaxamento, como o aumento da tensão, levando-as inclusive a entrar em pânico. Nestes casos, a técnica de relaxamento só deve ser introduzida após preparação especial, ou simplesmente não deve ser usada.

Nos estados emocionais agudos em que uma pessoa se encontra demasiadamente agitada, não é aconselhável iniciar uma meditação. A meditação não é apropriada nos seguintes casos:

§ Esquizofrenia: piora o contacto com a realidade e a pessoa é absorvida excessivamente pelas realidades interiores.

§ Obsessivos compulsivos: a pessoa fecha-se a novas experiências.

§ Problemas com o basal: ligação com a terra, “fuga”.

Mas as pesquisas evidenciam com a maior clareza que os métodos de meditação e relaxamento oferecem um poderoso meio de despertar a capacidade interior dos pacientes para que participem na sua própria cura.

Uma tarefa que temos pela frente é separar as diferenças significativas entre as técnicas de relaxamento e de meditação em relação às pessoas e problemas para os quais podem ser usadas com mais eficácia.

Acredito que o melhor para todos é uma “terapia de stress”, que agiria de forma preventiva, favorecendo o organismo como um todo. Temos outros processos de meditação que podem coincidir com vários aspectos da terapia pois, quando uma pessoa medita, volta a atenção para o seu interior, torna-se mais consciente dos pensamentos, sensações e estados que emergem espontaneamente. Assim, a meditação pode acarretar modificações importantes, não apenas nos estados de consciência, mas também no plano fisiológico.

Pesquisas com electroencefalogramas mostraram que durante a meditação, há frequentemente uma intensificação das ondas “alfa” do cérebro (ondas mais lentas). Descobriram que a meditação provoca um relaxamento mais profundo que o sono, e importante redução nas percentagens do metabolismo. Provoca também quedas verticais no consumo de oxigénio pelo organismo, no ritmo cardíaco e na respiração. Por outro lado, acontece um aumento da resistência eléctrica da pele, e redução da taxa de ácido láctico no sangue, que comprova a diminuição da excitação e da inquietude. Isto prova que o homem, efectivamente, pode dominar as ondas do seu cérebro e, consequentemente, os seus estados mentais.

Vemos assim que a meditação nos oferece inúmeras possibilidades nas áreas terapêuticas:

- Redução da tensão arterial e outras funções que escapam ao controle voluntário;

- Substituto para o uso de drogas, pois pode reduzir e eliminar o consumo após o início da prática de meditação;

- Para os psicólogos, um meio possível de desenvolvimento das faculdades extra-sensoriais. Por causa das relações existentes entre a meditação e as ondas “alfa”, pode-se estabelecer uma ligação entre a percepção extra-sensorial e as ondas “alfa”.

- Pesquisadores puderam estabelecer que as pessoas cuja percepção extra-sensorial é mais aguda tinham a impressão de se fundirem nos outros, e um sentimento de unicidade, como se os limites entre aquilo que sou e aquilo que não sou tivessem desaparecido.

Sujeitos que praticam meditação ou formas similares para o desenvolvimento do “Eu”, mostram-se superiores aos demais nos testes de psicocinésia. Quinze minutos diários em “alfa”, mais uma boa programação, ajudam a fortalecer a nossa consciência.
Pessoas centradas são conscientes das suas capacidades subjectivas. São intuitivas e contam com a protecção de um anjo da guarda – o mundo invisível, do espírito, é uma coisa concreta para elas.

A meditação melhora o acesso ao inconsciente e a tensão normalmente associada com o material reprimido diminui quando na terapia a meditação permite que esse material que causava sofrimento venha mais claramente á consciência. A tomada de consciência é o agente que transporta as mensagens que formam a experiência. Durante todo o processo de meditação temos a “ tomada de consciência”. Buda procurou, através da meditação, erradicar as fontes de sofrimento com uma “ reorientação radical da percepção”.

Preparando-se para a meditação

Aqui não levamos em conta as variações peculiares da técnica ou da crença de qualquer uma das escolas existentes actualmente. O objectivo de todas essas escolas é único, é o de transformar a percepção.

Há pelo menos um fundamento comum entre os sistemas ou escolas de meditação:

1. A que se passar por um processo de purificação (a limpeza do corpo emocional), e a preparação exigida é quanto às atitudes de que a pessoa necessita para poder ser preparada para esse tipo de purificação.

2. Não há necessidade de sair das situações normais de vida. O melhor ambiente pode variar muito, porém na meditação transcendental, opõem-se a qualquer mudança forçada nos hábitos de vida daquele que medita. Ela é inserida no esquema normal diário.

Tanto Gurdjieff como Krishnamurti insistem que os ambientes da família, do trabalho e dos lugares públicos são o melhor contexto para a disciplina interior, fornecendo o material bruto para a meditação. O único ingrediente que não varia é a necessidade de que a pessoa que medita retenha a sua atenção ou através da concentração, ou através do estado consciente.

Sabemos que a mente humana mantém-se activa por sua própria natureza, para tanto devemos desenvolver e fortalecer tanto a nossa vontade quanto o poder de concentração acalmando o nosso turbilhão mental e, afastando os empecilhos para se conseguir uma mente bem governada e saudável, pois aquele que dispor de uma mente vigorosa, accionada por uma vontade desenvolvida e com forte poder de concentração, pode facilmente ter total controle sobre sua natureza física e alcançar a realização dessa vontade.

Porém, sabemos como é difícil controlar a mente. Mas, podemos conseguir.

1a lição – Não vença o pensamento e nem o ignore; expanda-o e ele se tornará meditação. É melhor observar os pensamentos, pois enquanto não soubermos o que a mente está fazendo, não podemos controlá-la.
O segredo é descobrir para onde esses pensamentos nos levam. Na verdade, é saber qual é a nossa preocupação neste exacto momento.

2a lição – Devemos restringir os vórtices mentais que nos atormentam, concentrando nossa energia sobre um objecto qualquer; focalizar com firmeza o objecto e conhecer todas as particularidades desse objecto, seja ele físico, mental ou espiritual. Se é um pensamento, dizemos, pensando... pensando... pensando.

3a lição – Disciplina na respiração, desenvolve o poder de concentração. É o poder de dirigir a força vital. Produz um efeito poderoso sobre a mente humana. Podemos até dizer que o alento é o único instrumento para o controle da mente. A respiração do homem comum é irregular, arrítmica, pela boca, quase sempre superficial e corresponde muitas vezes ao seu estado de espírito, que também flutua e é dispersivo. O factor tempo é de grande importância na respiração. É feita através de cadência regular, contando mentalmente a inspiração, a retenção e a expiração. A nossa parte animal gosta mesmo é de sentir e está relacionada com o cérebro reptiliano e límbico, tem a ver com territorialidade e sobrevivência da espécie. A parte humana está relacionada com a mente, com o intelecto e tem a ver com o cérebro neomamífero. A parte divina tem a ver com a contemplação e o êxtase, é aí que encontra a felicidade. Os sábios aconselham a iniciar uma meditação começando sempre com os objectos mais grosseiros e, lentamente, erguer-se para os mais subtis, até que se tornem objectos sem objectivos.

4a lição – Exercícios físicos, posturas corporais e domínio do corpo, para se conservar o corpo em boas condições.

Mantras e Sons Vocálicos são poderosos para acalmar a mente. O cantarolar constante cria tédio interior, e ajuda a obter calma. Porém, a neurose continua lá dentro de ti, e primeiro é preciso dissolver a neurose (manifestá-la conscientemente), dissolver a divisão interior e criar o estado de unicidade. Na meditação activa, a respiração caótica, rápida e vigorosa, sem ritmo, serve para puxar a energia nas células, através do oxigénio criar energia (electricidade), e menos fisicamente te sentirás, então estarás livre da neurose e mergulhará no som (mantra).

A concentração, a meditação e o êxtase são fases de um processo contínuo de unificação mental. A primeira fase conduz à absorção meditativa. A segunda fase, ou Iluminação, ocorre quando todos os redemoinhos de consciência comum despertados estão totalmente contidos na meditação.

Muitos nomes diferentes são usados para descrever a mesma e única experiência de meditação. E de acordo com a crença de cada pessoa, são eles: “samadhi”, “fana”, “jhana”, “daat”, “turiya”, “grande fixação e percepção transcendental”.

Apesar de um conjunto de crenças sobre estados alterados em meditação poder representar uma segurança, a pessoa que medita não precisa de conhecer previamente esses estados para os experimentar.

Na experiência da meditação o ser mergulhado no estado do não-ser, finalmente se encontra face a face com o sagrado que habita o seu interior mais íntimo e profundo. E para estar face a face com a sua essência, e no intuito de compreender esse sagrado, deve transcender o velho sistema de crenças adoptado. O “Eu” Superior pode triunfar sobre a nossa identidade egoísta e ser a força dominante na nossa vida. O ser pode irradiar essa consciência para além dos seus limites e atingir todos no nosso planeta.

Fazer a luz explodir de si mesmo implica compreender quem somos e o que estamos fazendo aqui dentro desta coisa chamada de “nosso corpo”, neste lugar chamado “Terra”, e neste momento da nossa vida. O ponto de partida é compreender que o Universo e a nossa participação nele não são obra do acaso. A inteligência flúi através de tudo no Universo e tem tido muitos nomes. Faz o planeta orbitar, as galáxias ficarem nos seus lugares, as plantas brotarem, as flores desabrocharem, respirarmos, andarmos e pensarmos. Essa inteligência invisível está em tudo e em todos os lugares. O você físico que podemos ver e tocar é feito da mesma matéria que tudo o mais é feito. Todavia somos diferentes das coisas que nos são exteriores. As diferenças não se encontram na aparência física das coisas, estão no que chamaremos de “consciência”, nos diferentes níveis de consciência.

Temos o poder de fazer contacto com a inteligência organizativa e de criar uma vida de alegria. Podemos conhecer essa inteligência divina que faz parte de nós, e se o sistema é inteligente, e essa inteligência é invisível, e a nossa presença aqui é uma parte dessa inteligência, precisamos apenas de olhar para a parte de nós que é invisível. É preciso olhar para dentro, para quem somos e o porquê de estarmos aqui, em vez de olharmos para fora, para o mundo físico e as coisas nele contidas.
Conhecer o “Eu” espiritual ou o Mestre Interior, é a nossa busca sagrada, o nosso desafio vital. Muitos de nós nos tornamos adultos acreditando que somos apenas o corpo que carregamos por aí, o trabalho que realizamos e a religião que professamos. Um dia o “Eu” físico irá repousar sob um sepulcro que registará a data do nosso nascimento e a data da nossa morte, mas a alma interior sabe que somos eternos, que não possuímos uma forma e nem limites. Aquilo que nasceu morrerá, aquilo que nunca nasceu não morrerá jamais.

O “Eu” sagrado é eternamente luminoso e divino, apesar do que tivermos feito ou deixado de fazer. Para a inteligência divina somos sagrados e temos um propósito para estar aqui. Quando pararmos de procurar a felicidade fora de nós, a totalidade reflectirá a nossa divindade.

O estado a que chamamos “iluminação” é uma experiência única para cada ser. Em muitos casos ocorrem apenas manifestações inferiores de fenómenos físicos influenciados pelas nossas emoções. Muito raramente se atinge esse estado de superconsciência conhecido por “luz do sol”, ou real iluminação espiritual. O que ocorre mais frequentemente é o estado conhecido por “luz da lua”, que são fenómenos do astral. Em todo o processo, a verdadeira natureza do “Eu” será revelada, e perceberemos então que o sagrado, a quem adoramos como separado de nós, não reside fora do nosso íntimo. Aqueles que alcançam esse estado terão um conhecimento de acontecimentos passados e futuros tais como:

- A faculdade de ver no interior do seu próprio corpo;

- O conhecimento de encarnações passadas;

- A capacidade de enviar pensamentos a mundos distantes;

- A libertação dos objectos do plano fenomenal;

- E outros fenómenos que nada têm de misterioso.

Para que a iluminação possa ser alcançada, outras etapas importantes precisam de ser vencidas:

1. O domínio dos impulsos naturais inerentes ao ser vivo pela prática da não-violência, da verdade, do uso correcto da energia sexual, etc.

2. O desenvolvimento de valores éticos tais como: a purificação do corpo e da mente; o cultivo da alegria, do despojamento, da fé e do respeito pela vida.

Em suma, o objectivo supremo de todas as técnicas de meditação é atingir, através do autoconhecimento e do acto da vontade, o domínio de si mesmo, ampliando a consciência e alcançando a iluminação. Portanto, a meditação pode constituir-se numa harmonização com o Cósmico que tem por objectivo nos tornar receptivos às inspirações que a Consciência Cósmica queira nos conceder. É a base para o desenvolvimento de uma consciência iluminada.

Muitas pessoas podem pensar que meditação é uma forma de oração. Mas a meditação não é oração, a meditação é algo que você faz para si mesmo e não espera que Deus faça por você. Para evitar a meditação, as pessoas continuam orando. Elas oram para evitar fazer qualquer coisa, a oração é apenas uma fuga. Somente a meditação pode ajudar porque a meditação é algo a ser feito autenticamente por você, é um fazer da sua parte. Mas a oração também se pode tornar em meditação, quando não é apenas uma oração, quando é um profundo esforço, um profundo envolvimento.

Alguns recursos exteriores podem ser usados como ajuda na meditação, como por exemplo: sons vocálicos e mantras; danças utilizadas pelos derviches, no “tai-chi” e no “aiki-dô”; paradoxos ou “koans”. A dança é adoptada como empuxo. No centro, o silêncio, na circunferência o movimento.

Blog: http://www.docemistdavida.blogspot.com/

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